sábado, 19 de junho de 2010

Sobre Saramago, nerds e a queima de livros

"Menos um ateu genial no mundo." Disse o cartunista Alan Sieber em seu blog ontem. E só esse pedaço desesperador de notícia me fez correr atrás de mais, até que fiquei sabendo, e confirmado por amigos mas bem informados: Saramago morrera.

Ontem, dia 18 de junho de 2010, o universo da palavra escrita, seja em que língua for, seja em que mídia for, literatura, quadrinhos, legendas ou bilhetes no guardanapo, ficou mais pobre. A causa parece foi falência múltipla de orgãos aos 87 anos, como eu li no Artilharia Cultural. E de acordo com o blog do Ebooks a notícia foi passada pela empresa EFE.

Saramago dizia que não tinha medo de morrer, tinha é pena de deixar o mundo. E nós, Saramago? E nós sem tua palavra?

Ai nós, que não ouviremos mais você falar sobre sobre a falsidade de nossas democracias. Pois não era só de literatura em que se mostrava mestre. Era um mestre nas idéias.

No blog do Luís Nassif há uma homenagem a Saramago com alguns vídeos e uma animação de um conto infantil que eu reproduzirei no fim do post, mas acomselho visitar o blog para ver os pedaços mais importantes, que são as críticas que ele deixou ao mundo como legado.

E não só esses mais vários outros blogs e sites diversos fizeram homenagens, passaram a notícia adiante e relembraram e citaram Saramago, como fazemos com um ente querido, quando nos juntamos para reavivar a memória de seus feitos extraordinários.

Até no Twitter deixam sua marca, com um documentário inédito sobre o escritor e sua esposa e mais acerca da notícia no portal G1.




O que me deixou estupefato foi o fato de que nenhum dos "blogs nerds" que eu sigo terem falado nada sobre o assunto. Quer dizer, pelo menos aqueles que levantam a bandeira e põem a palavra "nerd" no nome. Nerd isso, nerd aquilo. Mas nada de Saramago. Peraí, sério? Sem Saramago?

Parece que nerd agora é ver filme de ação com o maior número possível de efeitos especiais, comprar o gadget mais novo e inútil que exista e ouvir uma música escrota da mais recente banda escrota. Engraçado, eu gostava mais antigamente, quando o termo nerd era quase um xingamento e não uma bandeira para se levantar. Eu preferia na época em que ser nerd era ser um introspecto melhor amigo da leitura, era ver os filmes, não baseado em toda a hyppe ao redor deles, mas pela sua qualidade e ouvir músicas que só você gostava porque eram barulhentas ou antigas demais.

Não existe mais isso. Nem esse nerd da antiguidade nem nenhum outro tipo de nerd e nem o Saramago. Queimaram os nerds, os nerds queimaram os livros e a derradeira satisfação da igreja vai ser aparecer na cremação de Saramago para vê-lo queimar. A vitória do nosso nobel será que sua obra não pode ser queimada por completo.

Capa do livro de 1951.
E por falar em queimar, eu me estendo a uma tradução que estou fazendo, Fahrenheit 451. Sobre a censura, sobre o perigo dos livros e o perigo de pensar. Pra mim, uma história quase verídica, num mundo onde bombeiros queimam ao invés de apagar.

Quase verídica pois, tal qual o rádio-concha ou a televisão de parede, Ray Bradbury erra o nome, mas acerta na forma. Sua distopia também, errada apenas de como ia acontecer, porém acertada com todas as letras no fato de que iria.

Romances sem sal, resumos, informação à jato! Não é de se assustar que ninguém queira mais ler, nem os nerds! Não é de se assustar que não queiram mais pensar, "tempo livre, sim, mas e o tempo para pensar?" diz Faber.

Nossos nerds nos fazem o serviço de utilidade pública de nós abarrotar de tranqueiras da moda e nós entulhar com a cultura mais pop possível, repassando memes e outras besteiras de praticidade e riso instantâneo. Tudo que já foi, um dia, antônimo da classe. Tudo com o intuito de se incluir um pouco mais num mundo que, sinceramente, quero cada vez menos fazer parte.

Por isso queimamos os livros. Livros não têm nada a ver, ninguém mais, em sã conciência passaria um dia inteiro ou sequer algumas horas preso num quarto sozinho lendo! Só o conceito por sí é absurdo.


"Era um prazer queimar." - diz a Graphic Novel.

Então não temos tempo de ler, de pensar, de sermos nerds em paz, não temos tempo pra honrar o Saramago, que como o time de um homem só foi pra Copa do Nobel e trouxe sozinho o campeonato pra todos os países de língua portuguesa.

Eu quero que se dane. Descobri esses dias qual a parte que eu tenho nisso tudo. Eu vou gravar de memória, linha por linha de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" começando hoje. As gerações futuras vão precisar de um pouco de humanidade.

Enfim, a animação em homenagem ao mestre.
Adeus.



11 comentários:

  1. "Se tens um coração de ferro, bom proveito.
    O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."

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  2. estamos afundados na merda do mundo. quem é otimista ou é ignorante, ou é insensível ou é milionário. José Saramago

    Jevoux, eu gravo a jangada de pedra.


    Abraços e ótimo post

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  3. Excelentes frases.

    Jangada de pedra é foda. Até hoje estou tentando descobrir quem se destacou de quem, foi Portugal d Europa ou Saramago de Portugal? lol

    Vale a pena memorizar, com certeza.

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  4. não tive o prazer de ler nada do saramago ainda... mas, esse post tem exatamente tudo a ver com o que eu vinha pensando, hoje mesmo; essa "era da informação" só cria mais e mais retardados, vidrados em resumos, sinopses e lixo de alta velocidade.

    o negócio é Lady Gaga, Justin Bieber e Vuvuzela. Saramago, só se virar filme e olhe lá.

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  5. E o mais engraçado é que ainda não vi o filme do Saramago, ensaio da cegueira, apesar de ter lido a obra homonima.

    Filmes sobre livros são em grande parte inferiores, por isso nem tenho pressa pra ver. Mas está na minha lista. Vira e mexe algum surpreende.

    Vlw Banned!

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  6. cara eu SEMPRE confundo castaneda com Saramago, até achava que o Ensaio era do Castaneda... santa burrice.

    mas realmente, raríssimo encontrar um filme que faça justiça ao livro em que foi baseado. Iluminado é o único exemplo que me vem à cabeça. ainda assim, é bem diferente do livro, nas qualidades e defeitos.

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  7. "Heeeere´s Johnny!"
    hauhauh Aí tb vc pegou pesado. O Kubrick é samurai, porra. Ele é genial. E o Jack Nicholson atuando, ainda dava pra ver as fraldas nele, esse filme caiu perfeito pra cara de psicopata reprimido qu ele tem.

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  8. É Jevoux, vivemos na era da velocidade, da quantidade, da superficialidade, produzindo mais, consumindo mais e, infelizmente, pensando menos...

    Embora sempre tenha ouvido falar de Saramago e sua obra, não a conheço... acho que sua morte está servido para que eu dê o derradeiro passo e inicie a leitura...

    Sobre Fahrenheit 451, adoraria ler a adaptação da obra para quadrinhos (é essa que estás traduzindo?), quando tinha uns 15 anos tive o privilégio de assistir ao filme e ele mudou totalmente a minha cabeça.

    Se antes já gostava de ler, depois de Fahrenheit então...

    Parabens pelo post.

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  9. Valeu MCO. Estamos traduzindo a adaptação para quadrinhos do Fahrenheit mesmo. Na verdade está na fase de revisão agora. Logo logo deve aparecer.

    Que bom que vc está se animando para ler Saramago, acredito que nã vá se arrepender. É uma leitura para abrir os olhos, nem que seja com pontos de vista novos. No mínimo.

    Abração!

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  10. Gostei da iniciativa do tópico apesar do pessimismo exacerbado, típico de Saramago e da maioria dos portugueses, mas realmente é provável que Saramago tenha sido o último grande autor a morrer e a falta de informações foi dose...

    Mas cada um com seu gosto, nem todo mundo precisa ler pra saber de algo, minha vó que nunca leu nem livro de abc pq é analfabeta é mais inteligente q todo mundo q eu conheço, incluindo eu mesmo... kkkk

    De qq jeito boa lembrança.

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  11. Eu entendo o que você quer dizer, BBL. Eu conheço pessoas assim, e o mundo é cheio desses exemplos, pessoas genias sem nenhuma educação formal.

    A educação formal é impotante, mas com certeza não é tudo. Conheço pessoas que possuem uma inteligência emocional que assustam de tão grande, pessoas qe parecem "ler" a gente, ou adivinhar o que pensamos.

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