"Menos um ateu genial no mundo." Disse o cartunista Alan Sieber em seu
blog ontem. E só esse pedaço desesperador de notícia me fez correr atrás de mais, até que fiquei sabendo, e confirmado por amigos mas bem informados: Saramago morrera.
Ontem, dia 18 de junho de 2010, o universo da palavra escrita, seja em que língua for, seja em que mídia for, literatura, quadrinhos, legendas ou bilhetes no guardanapo, ficou mais pobre. A causa parece foi falência múltipla de orgãos aos 87 anos, como eu li no
Artilharia Cultural. E de acordo com o blog do
Ebooks a notícia foi passada pela empresa EFE.
Saramago dizia que não tinha medo de morrer, tinha é pena de deixar o mundo. E nós, Saramago? E nós sem tua palavra?
Ai nós, que não ouviremos mais você falar sobre sobre a falsidade de nossas democracias. Pois não era só de literatura em que se mostrava mestre. Era um mestre nas idéias.
No blog do
Luís Nassif há uma homenagem a Saramago com alguns vídeos e uma animação de um conto infantil que eu reproduzirei no fim do post, mas acomselho visitar o blog para ver os pedaços mais importantes, que são as críticas que ele deixou ao mundo como legado.
E não só esses mais vários outros blogs e sites diversos fizeram homenagens, passaram a notícia adiante e relembraram e citaram Saramago, como fazemos com um ente querido, quando nos juntamos para reavivar a memória de seus feitos extraordinários.
Até no
Twitter deixam sua marca, com um documentário inédito sobre o escritor e sua esposa e mais acerca da notícia no portal
G1.
O que me deixou estupefato foi o fato de que nenhum dos "blogs nerds" que eu sigo terem falado nada sobre o assunto. Quer dizer, pelo menos aqueles que levantam a bandeira e põem a palavra "nerd" no nome. Nerd isso, nerd aquilo. Mas nada de Saramago. Peraí, sério? Sem Saramago?
Parece que nerd agora é ver filme de ação com o maior número possível de efeitos especiais, comprar o gadget mais novo e inútil que exista e ouvir uma música escrota da mais recente banda escrota. Engraçado, eu gostava mais antigamente, quando o termo nerd era quase um xingamento e não uma bandeira para se levantar. Eu preferia na época em que ser nerd era ser um introspecto melhor amigo da leitura, era ver os filmes, não baseado em toda a hyppe ao redor deles, mas pela sua qualidade e ouvir músicas que só você gostava porque eram barulhentas ou antigas demais.
Não existe mais isso. Nem esse nerd da antiguidade nem nenhum outro tipo de nerd e nem o Saramago. Queimaram os nerds, os nerds queimaram os livros e a derradeira satisfação da igreja vai ser aparecer na cremação de Saramago para vê-lo queimar. A vitória do nosso nobel será que sua obra não pode ser queimada por completo.
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Capa do livro de 1951. |
E por falar em queimar, eu me estendo a uma tradução que estou fazendo, Fahrenheit 451. Sobre a censura, sobre o perigo dos livros e o perigo de pensar. Pra mim, uma história quase verídica, num mundo onde bombeiros queimam ao invés de apagar.
Quase verídica pois, tal qual o rádio-concha ou a televisão de parede, Ray Bradbury erra o nome, mas acerta na forma. Sua distopia também, errada apenas de como ia acontecer, porém acertada com todas as letras no fato de que iria.
Romances sem sal, resumos, informação à jato! Não é de se assustar que ninguém queira mais ler, nem os nerds! Não é de se assustar que não queiram mais pensar, "tempo livre, sim, mas e o tempo para pensar?" diz Faber.
Nossos nerds nos fazem o serviço de utilidade pública de nós abarrotar de tranqueiras da moda e nós entulhar com a cultura mais pop possível, repassando memes e outras besteiras de praticidade e riso instantâneo. Tudo que já foi, um dia, antônimo da classe. Tudo com o intuito de se incluir um pouco mais num mundo que, sinceramente, quero cada vez menos fazer parte.
Por isso queimamos os livros. Livros não têm nada a ver, ninguém mais, em sã conciência passaria um dia inteiro ou sequer algumas horas preso num quarto sozinho lendo! Só o conceito por sí é absurdo.
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"Era um prazer queimar." - diz a Graphic Novel. |
Então não temos tempo de ler, de pensar, de sermos nerds em paz, não temos tempo pra honrar o Saramago, que como o time de um homem só foi pra Copa do Nobel e trouxe sozinho o campeonato pra todos os países de língua portuguesa.
Eu quero que se dane. Descobri esses dias qual a parte que eu tenho nisso tudo. Eu vou gravar de memória, linha por linha de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo" começando hoje. As gerações futuras vão precisar de um pouco de humanidade.
Enfim, a animação em homenagem ao mestre.
Adeus.